"Meu irmão! Queres caminhar para a solidão? Queres procurar o caminho que conduz a ti mesmo? Detém-te um pouco e escuta-me. ‘Aquele que procura, facilmente se perde em si mesmo. Todo partir para a solidão é culpa - assim fala o rebanho. E tu fizeste parte do rebanho durante muito tempo. A voz do rebanho continuará ressoando dentro de ti. Queres, porém, percorrer o caminho de tua tribulação, que é o caminho para ti mesmo? Mostra-me, então, teu direito e tua força para fazê-lo" (NIETZSCHE, 2000)
No cinema, o silêncio que pontua o diálogo entre personagens por vezes tem uma função narrativa mais importante do que o diálogo em si - o segundo que precede o beijo, a expressão de horror diante do inesperado, a calmaria antes da tempestade – as palavras e a música parecem não serem suficientes para transmitirem a mesma sensação do absoluto silêncio. Qual nossa relação emocional com algo tão anti-natural quanto a ausência de som? É quase impossivel para o homem presenciar objetivamente um momento de verdadeiro silêncio em toda sua vida – ao longe o vento sopra, as sirenes disparam, os lobos uivam, o rádio transmite incessantemente estática – porque então temos essa reação diante do inalcançavel?
A solidão imposta pelo absoluto silêncio por vezes incomoda e nos obriga uma transformação para espectadores ativos – os acontecimentos destacam-se ao mesmo tempo em que perdemos nosso referencial sonoro e somos levados à procurar esse referencial vazio dentro de nossa própria subjetividade. A magia intrínseca ao absoluto silêncio talvez signifique para nós, como humanidade, uma maneira de encontrarmos algo universal, arranhando o infinito – de nos sentirmos submersos por um instante em meio ao oceano cósmico, deixando de lado o mundo de fora com todos os seus ruídos e adentrando algo que transcende a própria idéia de indivíduo.
O silêncio e a música, no cinema e na vida, estão paradoxalmente tão próximos como o tudo e o nada – o infinito de um acorde e aquele que nunca chegou a ecoar.