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terça-feira, 20 de maio de 2008

Lápis, Borracha, Ação!

Matéria feita para o jornal-laboratório Mosaico

O cenário é o seguinte: em um quarto de hospital, um homem está de pé em frente à cama de um menino loiro. O nome do homem é Cole, o menino se chama Malcolm, e parece um pouco assustado. O homem, vestido com um sobretudo marrom, o observa com carinho. Depois de um longo silêncio, Malcolm sussurra para o homem, com medo em sua voz:

- Agora estou pronto para te dizer meu segredo.

O garoto fica pálido, e sua voz sai quase como um suspiro:

- Eu vejo pessoas mortas.


Parece familiar? É exatamente dessa forma que está descrita uma das cenas marcantes no roteiro de um dos maiores sucessos do suspense moderno. Parece que mesmo antes de ser filmado, “O Sexto Sentido” já se passava dentro da cabeça de M. Night Shayamalan, um dos nomes conhecidos de Hollywood, em parte por causa de seus roteiros originais (e na maioria das vezes, assustadores).

Um bom roteiro como esse é um dos pilares fundamentais para a construção de um clássico – pelo menos essa é a opinião comum entre alguns dos maiores diretores do cinema, como Stanley Kubrick e Steven Spielberg, que sempre afirmaram em suas entrevistas que é impossível fazer um grande filme sem se apoiar em um grande roteiro – uma analogia engraçada para identificar a importância do roteiro no resultado final de um longa-metragem está na declaração histórica do premiado roteirista Billy Wilder: “É impossível fazer chocolate com estrume”.

Então porque o nome do roteirista não aparece em negrito nos cartazes dos filmes? O que poucos sabem é que, antes de ser colocado atrás do nome de um grande diretor, a função de roteirista tinha o papel principal no cinema, e a trajetória dessa profissão é marcada por períodos em que esteve ou não no foco das atenções. Em alguns momentos, especialmente no cinema francês dos anos 50, a influência do roteirista foi tão forte que alguns diretores nem podiam dar palpite nas filmagens; o papel deles se limitava a apenas transformar o que estava escrito em imagens.

O roteirista perdeu sua posição de destaque depois da reviravolta cinematográfica dos anos 60, em que cada diretor passou a ser o responsável também por construir seu próprio roteiro, esses filmes, roteirizados e filmados pelo diretor, tem o nome de “cinema de autor” – mas mesmo apagada, a função do roteirista nunca desapareceu, e sempre esteve na base da indústria cinematográfica. Para quem duvida da importância dessa profissão na atualidade, basta se lembrar da greve no início desse ano, que paralisou completamente a produção em Hollywood e causou nada menos que dois bilhões de dólares de prejuízo para o cinema e para a televisão americana.

Aqui no Brasil, o cenário é bem diferente: “O problema do cinema brasileiro é que ele ainda não resolveu algumas questões muito básicas, como a distribuição e salas para exibição dos filmes.” diz o escritor Marçal Aquino, que já assinou o roteiro de grandes produções nacionais como “O Cheiro do Ralo” e “O Invasor”, e foi consultor no laboratório de roteiro de Sundance, um dos maiores festivais do cinema independente dos EUA “mesmo com uma boa produção nacional, de até 40 filmes sendo feitos por ano, menos da metade deles consegue chegar a ser lançado no cinema, e é visto por um público muito reduzido. Na verdade o cinema aqui é um pouco estrangeiro dentro do próprio país”.

Mesmo com as previsões não muito otimistas, o roteirista brasileiro ainda tem algumas opções “a saída de hoje são as séries de TV. Existe um mercado potencial muito grande na televisão para esses futuros roteiristas, mas se ele desejar trabalhar apenas com cinema, com certeza vai ter dificuldades.” completa Marçal, que esteve em Londrina recentemente ministrando um curso para futuros profissionais da área.

A impressão que o curso passou – com suas 40 vagas esgotadas – é a de que os problemas que existem na estrutura do cinema brasileiro não impedem os aspirantes a cineastas de sonhar “Eu fiz o curso de roteiro, mas quero mesmo ser diretora” diz a estudante de jornalismo Maria Eduarda Gomes de Oliveira, que deseja seguir carreira no mundo cinematográfico; a consciência dessas dificuldades em ser roteirista no cinema já parece ser senso comum “acho que todo mundo sabe que não dá pra ganhar muito dinheiro com roteiro”.

Mas não precisa ser assim. Pode existir uma esperança de mudança, basta ver a declaração de Steven Leiva, um dos líderes da ex-greve dos roteiristas nos EUA: "Nosso lema era: 'se vocês ganham dinheiro, nós também.’ O que pode ser mais justo que isso?". Essa reportagem pode servir como lembrete: na próxima vez que você for ao cinema, não se esqueça que, por detrás dos rolos de filme e atores milionários, tudo começa com uma boa história e uma enorme paixão pela arte – passando sempre por alguns lápis quebrados e uma lixeira cheia de papel.

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