Doutor em Filosofia da Ciência pela USP, Tognolli vai buscar nos conceitos da física quântica oxigênio para a práxis do reportariado: "Não se identifique como repórter. Interaja como ator do fenômeno que você reporta. Alguém já chamou a isso de jornalismo gonzo. Eu chamo de jornalismo quântico". No seu mais recente livro Tognolli escreve também sobre suas afinidades eletivas, como a música, ou, mais exatamente, o rock´n´roll. Ele chegou a se preparar para a profissão de guitarrista, mas, por um desvio do destino, foi tangido para o jornalismo.
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São muitos os temas candentes da profissão abordados no livro, de tal forma que ele pode ser lido também como um manual produzido a partir de experiências sólidas. Houve essa pretensão?
Claudio Julio Tognolli – Acho que a crítica de mídia que se faz no Brasil hoje é metafísica. O adjetivo é a metafísica do verbo. Portanto, nossa crítica de mídia, adjetiva que é, é metafísica. Muitos adjetivos onde na verdade deveríamos ter reportagens. Boa parte do livro é reportagem sobre mídia. Com 27 anos de jornalismo, uma carreira acadêmica, e ainda repórter, me sinto à vontade para escrever sobre mídia porque habito redações, faço reportagens diariamente, procuro bastidores. Escrever sobre mídia sem trabalhar na mídia é colecionar selos, mas não mandar cartas. É ouvir o galo cantar sem saber onde. Boa parte do livro fala dos erros da mídia, mas a partir dos erros que eu mesmo cometi. Nesse sentido, o livro é uma confissão. Um ato de fé. Um dos capítulos se chama, por exemplo, "Como perder fontes". Quem perdeu as fontes? Eu, é óbvio. Fiz fora do penico "n" vezes e detalho isso.
Você faz vaticínios dramáticos, como o fato de que os jornalistas estão acabando, já que a tendência é o leitor querer, ele mesmo editar, e não ser editado. O jornalista, como mediador da informação, está mesmo com os dias contados?
C.J.T. – Não são vaticínios. Isso se apóia em pesquisas de quedas de vendagem. O livro tem um capítulo sobre o jornalismo "eu-cêntrico", que é o nome de uma palestra que o Rosental Calmon Alves deu no International Consortium of Investigative Journalism, em Londres, órgão em que ele, o Fernando Rodrigues e eu representamos o Brasil. Se o jornalista continuar em gabinetes, está com os dias contados sim. Hoje as revistas que desafiam as grandes editoras são revistas de tribos, de gangues. Vendem muito. Quem escreve não é jornalista, mas fala a linguagem daquela tribo como ninguém.
Frase sua no livro: "Coisa boa só nasce em terreno ruim, é essa toda a verdade do jornalismo". Hoje no Brasil está mais fácil ou mais difícil produzir informação relevante com tantas maquinações espalhadas por aí?
C.J.T. – Cousa boa vem do lodo, todo repórter sabe disso. Gabinetes não dão furos. São escrotos, sacripantas, calcetas, extorsionários, que sabem onde o bicho pega. O repórter deve freqüentar esse terreno pantanoso, sempre de escafandro. O demônio detém o futuro dos furos, não Deus.
Você se refere ao jornalismo como uma atividade "líquida", e propõe um jornalismo "quântico" para exercê-la, quântico no sentido mesmo que lhe empresta a Física. Como isso pode ser de fato aplicado à atividade jornalística?
C.J.T. – Se você for medir a temperatura da água fervente, o termômetro que você usa para medi-la, que está frio, já a altera. O fato de você observar um fenômeno já altera o fenômeno. O feixe de luz que observa o elétron muda ele de onda para partícula, ou vice-versa. Não existem fatos, só interpretações. A frase de Nietzsche vem de Pirro, de Protágoras, e toda essa gente embasou a mecânica quântica e a teoria da incerteza. Essa teoria se aplica assim ao jornalismo: não se identifique como repórter. Interaja como ator do fenômeno que você reporta. Alguém já chamou a isso de jornalismo gonzo. Eu chamo de jornalismo quântico.
Fazendo uma digressão sobre a natureza caleidoscópica da informação, você cita o filósofo Wittgenstein, para quem a linguagem era incapaz de exprimir tudo. Isso é uma confirmação da máxima de que, no jornalismo, resta se contentar com a melhor versão possível dos fatos?
C.J.T. – Não há melhor versão dos fatos. Há aquela que nos agrada, a que agrada à empresa e a que agrada ao entrevistado, ou não. Fiz meu mestrado em Wittgenstein quando era moleque, comecei em 1986. Wittgenstein diz que se nossa linguagem é possível de exprimir tudo, ela poderia responder, por exemplo, que horas são no sol agora.
No livro você detalha seu encontro com o guru da contracultura Timothy Leary. Dele você costuma citar a máxima "a realidade é uma opinião". Como esse insight se estende ao jornalismo?
C.J.T. – Fui amigo do Leary e o trouxe ao Brasil em 1991. Fiz com ele uma de suas últimas entrevistas, em seu leito de morte, em 1997,
Cito outra passagem do livro: "Estruturalistas gostam de ver a todo o momento o que há `por detrás´ da notícia. Este não será o viés deste livro. A proposição é bem outra: mostrar a cabala a ser revelada na própria epiderme da notícia, não no seu âmago." As teorias tradicionais de comunicação ainda servem para explicar as formas de produção da notícia?
C.J.T. – Professores de comunicação em geral são velhas baleias cansadas, mesmo quando jovens, porque ser repórter dá trabalho e então fica mais fácil criticar a mídia com adjetivos, sem reportagem. Dar aulas e gostar de ouvir a própria voz. E seguir a velha vulgata acadêmica de que Frankfurt tem todas a
respostas, como a estruturalista pós-Frankfurt.
O livro traz uma crítica à insuficiência dos nossos cursos de jornalismo, centrados ou em preparar profissionais voltados unicamente às demandas do mercado, ou excessivamente teóricos. A solução, para você, está em mediar essas duas tendências. Que proposta pedagógica poderia aproximar esses dois limites?
C.J.T. – Mais professores doutores que trabalhem em redação e mais jornalistas de redação que queiram dar aulas.
Um comentário:
É uma figura completa este Tognolli. E ele fala com propriedade da necessidade de intersecção entre jornalista de redação e acadêmico de sala de aula. É o melhor casamento entre as duas tendências que eu conheci até hoje no curso de jornalismo.
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