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sexta-feira, 14 de março de 2008

O Jornalista Quântico

Muito interessante as opiniões desse cara ai chamado Claudio Tognolli. A seguir trechos dessa entrevista que vale a pena conferir.



Doutor em Filosofia da Ciência pela USP, Tognolli vai buscar nos conceitos da física quântica oxigênio para a práxis do reportariado: "Não se identifique como repórter. Interaja como ator do fenômeno que você reporta. Alguém já chamou a isso de jornalismo gonzo. Eu chamo de jornalismo quântico". No seu mais recente livro Tognolli escreve também sobre suas afinidades eletivas, como a música, ou, mais exatamente, o rock´n´roll. Ele chegou a se preparar para a profissão de guitarrista, mas, por um desvio do destino, foi tangido para o jornalismo.

Pioneiro do jornalismo investigativo no Brasil, Claudio Tognolli atua em diversas lides: é professor da USP e Fiaam e repórter do site Consultor Jurídico, das revistas Rolling Stone, Galileu e outras seis publicações e já entrevistou grandes nomes como Wittgenstein e Timothy Leary.

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São muitos os temas candentes da profissão abordados no livro, de tal forma que ele pode ser lido também como um manual produzido a partir de experiências sólidas. Houve essa pretensão?

Claudio Julio Tognolli – Acho que a crítica de mídia que se faz no Brasil hoje é metafísica. O adjetivo é a metafísica do verbo. Portanto, nossa crítica de mídia, adjetiva que é, é metafísica. Muitos adjetivos onde na verdade deveríamos ter reportagens. Boa parte do livro é reportagem sobre mídia. Com 27 anos de jornalismo, uma carreira acadêmica, e ainda repórter, me sinto à vontade para escrever sobre mídia porque habito redações, faço reportagens diariamente, procuro bastidores. Escrever sobre mídia sem trabalhar na mídia é colecionar selos, mas não mandar cartas. É ouvir o galo cantar sem saber onde. Boa parte do livro fala dos erros da mídia, mas a partir dos erros que eu mesmo cometi. Nesse sentido, o livro é uma confissão. Um ato de fé. Um dos capítulos se chama, por exemplo, "Como perder fontes". Quem perdeu as fontes? Eu, é óbvio. Fiz fora do penico "n" vezes e detalho isso.

Você faz vaticínios dramáticos, como o fato de que os jornalistas estão acabando, já que a tendência é o leitor querer, ele mesmo editar, e não ser editado. O jornalista, como mediador da informação, está mesmo com os dias contados?

C.J.T. – Não são vaticínios. Isso se apóia em pesquisas de quedas de vendagem. O livro tem um capítulo sobre o jornalismo "eu-cêntrico", que é o nome de uma palestra que o Rosental Calmon Alves deu no International Consortium of Investigative Journalism, em Londres, órgão em que ele, o Fernando Rodrigues e eu representamos o Brasil. Se o jornalista continuar em gabinetes, está com os dias contados sim. Hoje as revistas que desafiam as grandes editoras são revistas de tribos, de gangues. Vendem muito. Quem escreve não é jornalista, mas fala a linguagem daquela tribo como ninguém.

Frase sua no livro: "Coisa boa só nasce em terreno ruim, é essa toda a verdade do jornalismo". Hoje no Brasil está mais fácil ou mais difícil produzir informação relevante com tantas maquinações espalhadas por aí?

C.J.T. – Cousa boa vem do lodo, todo repórter sabe disso. Gabinetes não dão furos. São escrotos, sacripantas, calcetas, extorsionários, que sabem onde o bicho pega. O repórter deve freqüentar esse terreno pantanoso, sempre de escafandro. O demônio detém o futuro dos furos, não Deus.

Você se refere ao jornalismo como uma atividade "líquida", e propõe um jornalismo "quântico" para exercê-la, quântico no sentido mesmo que lhe empresta a Física. Como isso pode ser de fato aplicado à atividade jornalística?

C.J.T. – Se você for medir a temperatura da água fervente, o termômetro que você usa para medi-la, que está frio, já a altera. O fato de você observar um fenômeno já altera o fenômeno. O feixe de luz que observa o elétron muda ele de onda para partícula, ou vice-versa. Não existem fatos, só interpretações. A frase de Nietzsche vem de Pirro, de Protágoras, e toda essa gente embasou a mecânica quântica e a teoria da incerteza. Essa teoria se aplica assim ao jornalismo: não se identifique como repórter. Interaja como ator do fenômeno que você reporta. Alguém já chamou a isso de jornalismo gonzo. Eu chamo de jornalismo quântico.

Fazendo uma digressão sobre a natureza caleidoscópica da informação, você cita o filósofo Wittgenstein, para quem a linguagem era incapaz de exprimir tudo. Isso é uma confirmação da máxima de que, no jornalismo, resta se contentar com a melhor versão possível dos fatos?

C.J.T. – Não há melhor versão dos fatos. Há aquela que nos agrada, a que agrada à empresa e a que agrada ao entrevistado, ou não. Fiz meu mestrado em Wittgenstein quando era moleque, comecei em 1986. Wittgenstein diz que se nossa linguagem é possível de exprimir tudo, ela poderia responder, por exemplo, que horas são no sol agora.

No livro você detalha seu encontro com o guru da contracultura Timothy Leary. Dele você costuma citar a máxima "a realidade é uma opinião". Como esse insight se estende ao jornalismo?

C.J.T. – Fui amigo do Leary e o trouxe ao Brasil em 1991. Fiz com ele uma de suas últimas entrevistas, em seu leito de morte, em 1997, em Beverly Hills. Foi com ele que aprendi a mergulhar no lance quântico, o que depois aprendi formalmente no meu doutorado sobre filosofia das ciências, cujo guru é o gênio uspiano Gildo Magalhães. Aprendi com outro guru, o Marcio Chaer, meu patrão no site Consultor Jurídico, que não existe justiça: existem juízes, cada um com sua cabeça. Não há uma realidade chamada "Justiça". Há opiniões sobre ela, expressas legalmente por sentenças de cada juiz. Uma reportagem que eu julgue correta pode me levar a uma condenação, e vice-versa. A realidade é uma opinião.

Cito outra passagem do livro: "Estruturalistas gostam de ver a todo o momento o que há `por detrás´ da notícia. Este não será o viés deste livro. A proposição é bem outra: mostrar a cabala a ser revelada na própria epiderme da notícia, não no seu âmago." As teorias tradicionais de comunicação ainda servem para explicar as formas de produção da notícia?

C.J.T. – Professores de comunicação em geral são velhas baleias cansadas, mesmo quando jovens, porque ser repórter dá trabalho e então fica mais fácil criticar a mídia com adjetivos, sem reportagem. Dar aulas e gostar de ouvir a própria voz. E seguir a velha vulgata acadêmica de que Frankfurt tem todas a
respostas, como a estruturalista pós-Frankfurt.

O livro traz uma crítica à insuficiência dos nossos cursos de jornalismo, centrados ou em preparar profissionais voltados unicamente às demandas do mercado, ou excessivamente teóricos. A solução, para você, está em mediar essas duas tendências. Que proposta pedagógica poderia aproximar esses dois limites?

C.J.T. – Mais professores doutores que trabalhem em redação e mais jornalistas de redação que queiram dar aulas.


* veja a entrevista completa no site: http://www.sergipe.com.br/balaiodenoticias/tognolli_102.htm





Um comentário:

Danilo Bueno disse...

É uma figura completa este Tognolli. E ele fala com propriedade da necessidade de intersecção entre jornalista de redação e acadêmico de sala de aula. É o melhor casamento entre as duas tendências que eu conheci até hoje no curso de jornalismo.