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terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

De Passagem

* Editado do livro "Assim Falava Zaratustra"

Cruzando assim, lentamente, muitos povos e cidades, regressava Zaratustra para sua montanha e sua gruta. E caminhando de passagem chegou também de supetão à porta da grande cidade; porém ai caiu sobre ele, obstando-lhe a entrada, com braços estendidos, um louco furioso. O doido, portanto, assim falou a Zaratustra:

"Ó! Zaratustra, essa é a grande cidade: aqui nada você tem a procurar, porém tudo a perder.

Para que quer introduzir-se nese lamaçal? Tenha compaixão por seus pés! Cospe à porta da cidade e volte sobre seus passos!

Isto aqui é um inferno para os pensamentos solitários, aqui se cozem todos pensamentos, aqui se reduzem às papas!
Não vê almas penduradas como farrapos sujos? E desses farrapos, todavia, fazem periódicos!

Não ouve aqui como se troca o talento em jogos de palavras? Cospem repulsivas intrigas verbais! Provocam-se sem saber por que. Entusiasmam-se e não sabem por que.

Sentem frio e procuram aquecer-se com bebidas quentes; acaloram-se e procuram frescor em espíritos gélidos; a opinião pública consome-os e torna-os febris.

Aqui corre o sangue viciado, pobre e espumoso, por todas as veias; cospe à grande cidade, que é o grande vassadouro onde se acumulam todos os excrementos. Cospe à cidade das almas debilitadas e dos peitos estreitos, dos olhos penetrantes e dos dedos pegajosos; a cidade dos importunos e dos impertinentes, dos escrevinhadores e dos tagarelas, dos ambiciosos enfurecidos; a cidade onde se reúne todo o corroído, desconsiderado, libidinoso, sombrio, putrefato, depravado e esconjurado; cospe à grande cidade e volte!"

Nesse ponto, todavia, Zaratustra interrompeu o louco furioso e tapou-lhe a boca:

- Não ligo para seu menosprezo, e já que me alerta, porque não preveniu a si mesmo?
Em princípio, quem foi que o fez grunhir? Não o adularam o suficiente. Por isso sentou-se ao lado dessas imundícies, a fim de ter múltiplas razões de vingança. Que a vingança, doido varrido, seja sua miséria toda.

Para você, louco, fica esse ensinamento à guisa de despedida:
aonde não se pode amar, deve-se... passar.

Assim falava Zaratustra, ao passar por diante do louco e da cidade grande.

Um comentário:

Vagner disse...

"Para você, louco, fica esse ensinamento à guisa de despedida:
aonde não se pode amar, deve-se... passar."

por que será que o doido nao queria o personagem na grande cidade? o que teria lá que tanto pertubaria "os pensamentos solitários"???
penso que lá estaria o que está hj contido nas nossas grandes cidades... na grande cidade da nossa filosofia, na grande cidade de nossa cultura, na grande cidade do pensamento ocidental...

era a cidade que pertubaria Zaratustra ou esse pertubaria a cidade com suas palavras...???

essa passagem me faz sempre lembrar de uma franse de Schpenhauer: "A soma de barulho que uma pessoa pode suportar está na razão inversa de sua capacidade mental"...
claro que isso nao está necessariamente ligado ao volume do radio, mas ao barulho interno produzido pela pertubação constante de respostas nao encontradas ou pior de perguntas ainda nao formuladas...

onde nao se pode amar devemos passar, amemos pois...

meio viagem, mas é isso
abraço