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quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Quem Guardará os Guardiões?



O mundo dá voltas.

O dia era 14 de outubro de 1962. Pela janela do gabinete presidencial da Casa Branca o então presidente John F. Kennedy vislumbrava mais uma manhã de sol no outono de Washington, imaginando se seria a última vez que veria um dia tão belo assim. Seus pensamentos se voltavam para aquela que foi provavelmente a mais importante decisão de sua breve vida (encerrada abruptamente em um assassinato dois anos depois). Isso tudo porque na madrugada deste fatídico dia, um relatório ultra-secreto mostrando fotos aéreas de mísseis nucleares em Cuba apontando diretamente para os EUA chegou às mãos do recém-eleito Presidente, e sua escolha nessa hora de crise definiria o destino do mundo e de milhares de centenas de vidas humanas.

Dentro da sala, aguardavam ansiosamente o veredicto de Kennedy comandantes do alto escalão do exército americano, já preparado com estratégias para uma possível invasão ao território inimigo e evacuação dos alvos em potencial. O clima não poderia ser pior, de uma hora para outra, as perspectivas de acordos para um futuro pacífico pareciam utópicas e o apocalipse nuclear era apenas questão de tempo.

Em meio a esse momento de constante tensão causada por uma iminente guerra nuclear, técnicos da Agência Avançada de Projetos e Pesquisas (ARPA) criavam a ARPAnet, que era mais nova arma para manter seguros os dados das novas bombas de hidrogênio de 58 megatons criadas recentemente, pelo menos cinco mil vezes mais letais do que as usadas em Hiroshima e Nagasaki. Essa rede de computadores fazia com que as informações contidas no Pentágono fossem partilhadas para o resto das bases militares do país, fazendo assim com que, em caso de guerra, as informações continuassem existindo mesmo que o Pentágono fosse riscado do mapa por um ataque nuclear.

Felizmente nada disso aconteceu. Prevendo a grande catástrofe que seria uma guerra entre duas potências, tanto os EUA quanto a URSS entraram em um acordo pacífico e o mundo não virou uma bola de fogo. Pouco a pouco, o atraso econômico causado pelo alto investimento em armas e a crise nas repúblicas soviéticas fez com que o modelo socialista fosse enfraquecendo cada vez mais. Em 1989 cai o Muro de Berlim e as duas Alemanhas são reunificadas, marcando o fim da Guerra Fria.

Em paralelo aos acontecimentos políticos, a vantagem estratégica propiciada pela ARPAnet havia deixado de existir, e os militares liberaram a tecnologia inútil para algumas universidades, que logo viram o enorme potencial da novidade que chegou para mudar o mundo muito mais do que qualquer bomba atômica: assim nasceu a Internet.

A idéia central do inicio da Internet em um mundo sem grandes guerras e livre do fantasma da URSS era a liberdade de funcionamento. A idéia de que ninguém é dono da rede (não existe uma "empresa" Internet) é libertadora, mas apenas aparente. Dos 13 servidores principais, que distribuem os dados para outros geograficamente espalhados, apenas 3 estão fora dos EUA, isso ilustra o poder dos americanos sobre essa rede “independente” de informações.
Além disso, o crescimento da pirataria virtual e dos sites que incentivam o terrorismo e a xenofobia fez surgir recentemente a questão do controle de conteúdo através da vigilância na rede pela busca de palavras-chave (bomba H, Bin Laden, Hamas) e punição dos usuários que acessarem domínios considerados perigosos.

No Brasil, o projeto de lei para crimes digitais 84/1999 foi vetado por conter termos que poderiam ser interpretados para coibir a liberdade de expressão, mas o caminho para o estabelecimento de leis é mesmo pedregoso e deve ser tratado com cuidado. O governo da Malásia, por exemplo, em uma de suas leis estabelece pena de prisão para os autores de comentários negativos na Web sobre o islamismo ou o rei do país, e a China possui uma lista com mais de uma centena de sites proibidos e que é sempre atualizada. Hoje ela inclui desde o jornal americano The New York Times, até o da Anistia Internacional e o da revista Playboy.

A censura no mundo virtual é inevitável, mais cedo ou mais tarde será necessária uma forma de controle sobre os conteúdos que são indiscutivelmente perigosos para estarem disponíveis. A existência de uma Internet “fora da lei” é preocupante, mas é igualmente preocupante pensarmos na possibilidade desse poder que tudo pode e tudo vê (relembrando o “Big Brother” de George Orwell) cair em mãos irresponsáveis que podem regular as informações às quais teremos acesso. O verdadeiro problema está em criar uma Agência reguladora isenta de ligações políticas ou ideológicas para controlar esse fluxo de informação.

O poeta romano Juvenal, do século 2 d.C., já falava sobre o perigo de um enorme poder concentrado nas mãos de uma minoria, e ele é o autor da famosa pergunta “Qui custodiet ipsos custodes?” (Quem guardará os Guardiões?). Infelizmente, essa questão ainda permanece longe de ser respondida.

Kennedy e a Guerra Fria ficaram para trás, mas seus filhos ainda são, paradoxalmente, necessários para a evolução mundial, mas perigosos se usados de maneira inconseqüente.

E o mundo continua girando...

Um comentário:

Anônimo disse...

Estou muito confusa pra comentar nesse momento, mas enfim...
=** vou aparecer sempre, Ceribis...